
O cara #1
Ele sempre me obrigava a assistir Jornal Nacional enquanto eu comia caldo de feijão com arroz por ser uma criança chata e sem limites que não gostava de nada que tinha no jantar. Ele era o primeiro a aparecer sempre que eu ralava o joelho e a frequência disso era tão ridícula que me surpreende ainda ter dois joelhos funcionando. Ele colocava merthiolate nos meus machucados e sempre me engava que só ardia um pouquinho quando na verdade eu me sentia nos Jogos Mortais Infantis. Ele usava um óculos na ponta do nariz e me fazia pensar "por que raios esse óculos fica aí?". Ele gostava de ver esses programas policias chatos pra caramba e sempre soltava uma pérola enquanto uma tragédia estava sendo exibida. Ele não era muito de abraços, família italiana, reservado, poucas palavras, mas sempre que me abraçava eu me sentia protegida do mundo inteiro. Muita gente sempre questionou a minha personalidade calada e muita séria e eu sempre soube que era dele, aquele tipo de olhar que diz "sou muito legal pra perder meu tempo te convencendo disso". Eu amava escrever aquelas cartinhas que criança adora, com toneladas de glitter e cinco mil adesivos, só pra ele elogiar a minha letra e dizer que tinha gostado. Eu lembro que ele lia os jornais todos os dias e quando eu estava de férias eu acordava cedo só pra ver desenho animado enquanto ele fazia as palavras-cruzadas e roubava vendo as respostas. Eu não lembro dele ter gritado comigo ou me mandado fazer alguma coisa, eu não faço ideia da onde ele tirava tanta calma e paciência pra lidar com tudo. Eu amava sentar pra jantar com ele mesmo quando a comida era aquela sopa de legumes horrenda que era amarela e tinha uma textura horrível. Até hoje eu tenho mania de comer sopa com torrada graças a ele. Também tenho mania de ficar na minha e ler enquanto os problemas precisam ser esquecidos um pouco. Mas a minha maior mania sempre foi não conseguir imaginar minha vida sem vê-lo sentado no sofá enquanto via televisão.
O cara #2
Tinha horas que eu queria matá-lo, pela personalidade tão parecida com a minha e pela mania que ele tinha de sempre estar certo. Detestava a forma como ele gostava de impor suas vontades de uma maneira gentil e todo mundo aceitava tudo na boa. Eu lembro de todas as tardes na praia falando sobre nada e reclamando da vida, de quando ele dizia "deixa de ser chorona" e me abraçava como se eu fosse a coisa mais importante do mundo. Nada no mundo pagaria o amor que ele me passava só com um olhar. Éramos 8 ou 80, gato e rato, completamente loucos um pelo outro. Ele sempre dizia que eu nunca encontraria o homem ideal pois eu sempre seria boa demais para qualquer homem. Dizia também que eu era chata, reclamona e pessimista mas depois me enchia de beijo e dizia que era genético. Ele sabia o quanto eu ficava emocionada quando recebia flores mesmo quando eu dizia pra todo mundo que odiava receber flores. Ele entendia todas as vezes que eu me afogava em lágrimas enquanto lia uma livro e me fazia carinho enquanto eu tentava me recompor. Ele me entendia independente de qualquer coisa.
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